Para as famílias

A formação do educador montessoriano

Por Marcia Righetti

Texto publicado na Revista Direcional Escolas , Junho de 2014

Minha experiência com a formação de professores montessorianos começa comigo mesma, quando há 35 anos, escolhi trabalhar com o Sistema Montessori. Com mais de 10 anos de prática como professora da educação básica na rede pública, com alunos das mais diversas classes sociais, me vi diante de um novo desafio, que continua me encantando a cada dia durante todo este tempo.

Aprendi que são dois os pontos importantes na formação do professor montessoriano: conhecer-se e conhecer a criança…

Quando um professor escolhe empreender uma nova jornada, seguindo os pressupostos montessorianos ele se depara com seu primeiro desafio, saber o que isto significa.

Maria Montessori, a cientista italiana que criou o “método Montessori “ dedicou quase 50 de sua vida para conhecer as crianças, observou-as e estudou as características do desenvolvimento humano em cada etapa, estudou os processos de aprendizagem nas diferentes áreas:  cognição, motricidade, aspectos emocionais. Para ela um ser humano é um ser inteiro e aprende por inteiro.

Estudou a interdependência entre ação e aprendizagem, muito diferente da passividade exigida pela escola na qual a professora dirige as atividades e os alunos “ recebem “ os ensinamentos.

Ela trouxe para a educação uma nova sala de aula, cheia de vida, cheia de movimento, cheia de oportunidades para que a criança possa explorar, descobrir, manipular, construir e aprender. E é inegável que para esta “nova sala de aula “ são necessários novos professores!

Ainda hoje, quando faço reuniões com pais novos, na escola onde trabalho, seus maiores questionamentos são sobre como os professores “ controlam “ a aprendizagem das crianças se elas podem ter liberdade de escolha.

Professores montessorianos precisam ter algumas características pessoais, diria que eles têm alguns talentos naturais ou cultivaram durante a vida algumas habilidades que transformam em competências essenciais.

Antes de qualquer formação especifica, como requer a metodologia, deve ser ele próprio curioso, ter prazer pela investigação e pela descoberta; para alimentar a curiosidade natural da criança. Estar em continuo aperfeiçoamento ou, como diria o mestre Gonzaguinha “ ser um eterno aprendiz”, pois assim estimulará o processo de autoeducação da criança e será capaz de respeitar o ritmo de cada uma.

Tenho, trilhando o caminho de formadora no Sistema Montessori, participado de discussões sobre a composição dos cursos de formação e dos cuidados necessários para organizar, não somente o currículo, mas também a atenção com as oportunidades para desenvolver essas competências tão especiais.

Este perfil, que buscam os cursos formação de professores montessorianos, exige que os mesmos tenham uma visão da educação com inteireza, que as técnicas de apresentação dos materiais caminhem lado a lado com as oportunidades de valores, de desenvolvimento de competências que assegurem o desenvolvimento pessoal.

É na obra de Maria Montessori que busco a sua visão sobre este novo professor, para ratificar os objetivos fundamentais para a formação do educador montessoriano.

  • Que nos conhecimentos sobre filosofia, metodologia e uso de materiais o estudante seja capaz de demonstrar atitude de constante aperfeiçoamento, sendo ele próprio o protagonista no seu processo de aprendizagem.

“A primeira obrigação do educador, esteja envolvido com o recém-nascido ou a criança maior, é reconhecer a personalidade humana do jovem ser e respeitá-la. ” (Maria Montessori, 1948)

  • Que desenvolva a competência para o trabalho de equipe, que saiba liderar, dividir a liderança e delegar, pois só assim permitirá que esta habilidade também se desenvolva nas crianças.

“As crianças acabam por conhecer as características umas das outras, desenvolvendo uma comunicação superior àquela que têm com os adultos. (…)É com esta forma de liberdade que avaliamos os limites diferentes da inteligência em diferentes idades, o que nos dá a certeza de que não é só a idade que conduz ao progresso, mas acima de tudo a liberdade de se olhar ao redor de nós. ” (Maria Montessori, 1948)

  • Que esteja aberto e receptivo às novas descobertas da ciência da educação e da ciência como um todo, entendendo que todas as verdades são provisórias.

“Não é suficiente para o professor amar a criança. Ele deve amar e entender o universo. Ele deve preparar-se e verdadeiramente trabalhar nele. ” (Maria Montessori, 1948)

  • Que saiba ser humilde.

“O treinamento do professor é muito mais do que um aprendizado de ideias. Inclui o treinamento do caráter, e a preparação do espírito. (Maria Montessori, 1909)

  • Ser capaz de compartilhar

“Simplesmente, o meio ambiente deve ser vivo, dirigido por uma inteligência mais elevada, organizada por um adulto que esteja preparado para esta missão. ” (Maria Montessori, 1949).

  • Demonstrar capacidade de comunicar-se efetivamente e criar vínculos.

“Quem quer toque a vida da criança, toca o mais sensível ponto de um todo que tem raízes no mais distante passado e ascende na direção de um futuro infinito. ” (Maria Montessori, 1949)

  • Atuar com compromisso e responsabilidade

“Nós estamos aqui para oferecer a esta vida, que chega ao mundo por si mesma, os meios necessários para seu desenvolvimento e, tendo feito isso, que nós devemos aguardar esse desenvolvimento com respeito. ” (Maria Montessori, 1936)

  • Apresentar competência para a sistematização

“A mestra deve conhecer muito bem o material, tê-lo sempre muito presente na memória e aprender com exatidão a técnica experimentalmente determinada de apresentar o material e tratar a criança convenientemente para guiá-la com eficácia. Isto é o essencial na preparação da mestra. ” (Maria Montessori, 1937)

  • Manter atitude de respeito ao outro e em especial à criança.

“O interesse para com a humanidade, para quem quer educá-la, deve ter um caráter que conecte intimamente o observador ao observado, de forma diferente do que faz o zoólogo ou o botânico com a natureza. O homem não pode amar um inseto ou uma reação química sem atrito, o que é para quem observa sem paixão, um verdadeiro martírio.

Mas o amor do homem pelo homem pode ser mais doce e tão simples, que todos, não só os de espírito mais privilegiado, podem alcançá-lo sem esforço.

É necessário que os professores iniciantes no “espírito do cientista” adquiram consciência que, mais cedo ou mais tarde, deverão transformar-se em observadores da humanidade. ” (Maria Montessori, 1948)

Este é o diferencial para a formação do educador montessoriano: um curso que ofereça também as oportunidades do desenvolvimento pessoal além atender as exigências de um currículo básico. Nele se entrelaçam disciplinas gerais como desenvolvimento bio psico social, psicologia escolar, técnicas de observação, história da educação e disciplinas especificas, que enfocam as áreas da didática montessoriana, as técnicas para a criação e confecção de material de classe, segundo os pressupostos montessorianos, as práticas da direção de classe, a Educação para a Paz.

Para que toda a teoria se transforme em prática é necessário que o novo professor elabore suas próprias anotações sobre como demonstrar cada material de desenvolvimento, registrado-as em álbuns de autoria, para apropriar-se do fazer pedagógico necessário. Muitas horas de exercício de observação, numa classe Montessori, são importantes. Somente uma observação sem julgamento, com base no conhecimento científico, poderá assegurar intervenções que guiem a criança para o melhor desenvolvimento do seu potencial. Esta é a tarefa do novo professor ele precisa praticar por longo tempo para atuar com assertividade, promovendo seu próprio processo de autoeducação.

O novo professor que Maria Montessori vislumbrou e que se procura ajudar a florescer, nos cursos de formação em todo o mundo, apropria-se do aprender a aprender. Faz deste o movimento motivador para sua própria vida, dando-se a oportunidade de ser a cada dia uma pessoa melhor, dando-se a oportunidade de ser a cada dia um educador melhor, capaz de tocar a criança e transformar o mundo!

As crianças são investidas de poderes não conhecidos, que podem ser as chaves de um futuro melhor.

Maria Montesori