A Educação Cósmica e a Nação Única de Maria Montessori
A Educação Cósmica
Tudo o que disse até agora, sobre a visão cósmica, do plano cósmico ou da organização cósmica; Sobre os agentes cósmicos, suas funções e trabalhos diferentes e variados, que levam tudo à ordem cósmica; o que disse sobre o lugar particular do Homem e de seu papel na criação dos cosmos, tudo isso está contido na educação cósmica. Muito progressivamente, e sem que haja necessidade de um ensinamento ou de um sermão direto, as crianças levada a ver, a compreender, e a apreciar tudo o de que falei, e muito mais. A educação cósmica possui muitos aspectos e facetas e, por questões de tempo, eu me limitarei a indicar e clarear alguns deles apenas.
A educação cósmica ajuda as crianças a conquistarem uma visão cósmica do mundo, uma visão da unidade e da finalidade do mundo, uma visão que dá uma idéia do sentido (razão de ser) e do projeto.
Essa visão engloba ao mesmo tempo o espaço e o tempo; em outras palavras, as crianças aprendem a compreender o mundo ao mesmo tempo em seu desenvolvimento evolutivo e no seu funcionamento ecológico.
A educação cósmica da as criança a possibilidade e a liberdade de explorar, de estudar e de adquirir um conhecimento do Universo não apenas na sua globalidade, mas também na sua complexidade. Elas aprendem a apreciar o quanto as forças cósmicas diversas, seguindo as leis da natureza, trabalham e interagem para que nosso Universo seja estruturado e ordenado. Em outros termos, ajuda-se à criança a tomar consciência do que muito frequentemente é considerado como adquirido, e que não é visto: as leis cósmicas naturais que garantem a ordem e a harmonia na natureza, uma ordem e uma harmonia cósmicas.
A educação cósmica dá às crianças a capacidade de descobrir toda sorte de inter-relações que existem no mundo e que explicam como nosso mundo funciona. São por vezes relações de dependência mas, sobretudo, relações de interdependência : que seja a interdependência das forças cósmicas diversas ou as interdependências internas numa mesma força. Graças às descobertas desse gênero, as crianças conseguem compreender e avaliar a importância da colaboração num nível cósmico.
A educação cósmica ajuda as crianças a tomarem consciência das funções cósmicas e do trabalho cósmico, seja ele realizado consciente ou inconscientemente (como geralmente acontece). Dessa maneira, as crianças atingem uma compreensão mais profunda do funcionamento inteiro e do papel de cada agente cósmico, vivo ou não vivo. Em consequência, as crianças se tornam cada vez mais conscientes, não apenas da importância do trabalho, mas sobretudo da importância do trabalho que beneficia os outros, e que contribui para o bem estar dos outros. Eles avaliam o quanto já receberam e o quanto ainda recebem. MARIO MONTESSORI conta, uma vez que as crianças estavam conscientes do trabalho cósmico: “As crianças viam claramente a função cósmica de tudo o que observavam e penetravam suas tarefas eles demonstravam um sentimento de gratidão; a Deus pelo que havia criado, e aos Homens, por terem criado, a partir das condições naturais, um mundo super natural, no qual cada indivíduo poderia caracterizar sua tarefa e obter ele mesmo tudo o que necessitava e que era produzido pelo trabalho de outros homens”.
A educação cósmica consiste em tentativas criativas para nos conduzir a uma vida humana nova e diferente, com uma participação responsável em todos os fenômenos naturais e humanos. Vou ilustrar isso com um pequeno porém relevante exemplo: Quando Mario e Maria Montessori estavam na Índia, algumas crianças da escola tinham ouvido falar do grande problema do iletrismo dos adultos de seu país. Logo, espontaneamente, eles participaram sua decisão de tomar parte na eliminação desse problema, e com nossa permissão eles tomaram emprestado materiais de nossa escola e ensinaram a ler e a escrever a adultos de uma cidadezinha vizinha. Que exemplo para todos nós!
A educação cósmica significa também uma visão bem diferente da cultura. Por essa perspectiva, passamos do todo ao detalhe, cada detalhe é, ou poderia ser ligado ao todo, o todo sendo composto de partes ordenada; e enfim, a especialização e a interdisciplinaridade, se desenvolvendo simultaneamente, se interagem e se completam mutuamente.
No “Plano cósmico” escrevia MONTESSORI em 1949:
Toda as ciências ( os ramos de aprendizagem) podem estar ligados como raios partindo de um único centro de interesse brilhante, que clareia, facilita e prolonga todo o conhecimento”. E um ano mais tarde, ela disse: “Assim o caminho leva ao todo, através das partes, para voltar ao todo. Desta forma, a criança aprende a medir a unidade e a regularidade dos fatos cósmicos. Uma vez que a visão está aberta, ela ficará fascinada de tal maneira que vai valorizar as leis cósmicas e suas correlações muito mais que um simples fato. Então, a criança desenvolverá uma espécie de filosofia que lhe ensina a unidade do Universo. Este é o melhor meio de organizar sua inteligência e lhe dar uma intuição melhor que seu próprio lugar e de sua função no mundo, dando-lhe ao mesmo tempo uma oportunidade melhor de desenvolver sua energia criativa.
(No congresso MONTESSORI int. – 1950 – Holanda)
A Única Nação da Humanidade
Eu poderia parar aqui, pois já apresentei os (três) aspectos do pensamento de MONTESSORI que deveria lhes transmitir aqui. No entanto, gostaria de usar um pouco mais do tempo, para lhes colocar melhor sobre esse agente muito especial da criação, a humanidade que possui sua própria história, às vezes gloriosa e as vezes pouco gloriosa. Através de seus grupos variou do comércio e das possíveis trocas, aos conflitos abertos e à guerra. O que MARIA MONTESSORI tem a nos dizer já que se trata do futuro da humanidade?
Em sua conferência de 1950 ela diz:
Cada grupo humano tem sua forma própria. Nós achamos que esses grupos têm uma tendência a se unirem; não por que os meninos como indivíduos tenham crescido para se amarem uns aos outros- como qualquer um poderia amar um determinado número de pessoas que ele não conhecesse; – mas porque evidentemente, o próximo estágio da evolução é a união da humanidade. Na psicosfera, os homens deveriam ser apenas uma civilização.
Mesmo mais cedo em 1937, MONTESSORI dizia:
Toda a humanidade só forma um organismo, (…) uma unidade única, indivisível: uma única nação”. Em outros termos para MARIA MONTESSORI, há vários decênios já, existia uma nação única humana.
Outros expressaram ideias similares, mas não idênticas: por exemplo Marshall McLuham (10) com seu “cidade global”, e Gorbatchev com sua “casa comuna”, falando da Europa. Ainda que há 65 (sessenta e cinco) anos, quando a liga das nações ainda existia e que as nações Unidas ainda eram apenas um projeto, MARIA MONTESSORI tinha expandido o conceito limitado de “nação” (significando para exemplo “uma unidade étnica consciente de sua diferença e de sua autonomia”.) e o havia ampliado para abraçar toda humanidade, a unidade étnica por exemplo é, então, determinada por todos os habitantes humanos da Terra, pertencendo de maneira igual à espécie humana e, como para os diferentes grupos humanos, Montessori diz: “Um só interesse os une e os motiva para funcionar como um único organismo vivo.” Nenhum fenômeno pode afetar um grupo humano sem afetar os outros por via de consequência. Para melhor falar: o interesse de qualquer grupo é o interesse de todos.” (21/12/1937)
Mesmo novo processo econômico, de globalização, compreendido como a unificação dos mercados mundiais e consequentemente do trabalho humano, parece ser, pelo menos no meu entender, antecipado nos escritos de MARIA MONTESSORI. Todavia, MARIA MONTESSORI liga sempre a realidade econômica internacional com a solidariedade humana e social, como podemos ler numa conferência conhecida que ela deu em 1949 em San Remo; conferência que ela mesma intitulou “A solidariedade humana no tempo e no Espaço.
“A união universal, diz MONTESSORI, já existe, e então , tudo o que é necessário, é que tomemos consciência dessa realidade e substituamos a ideia de criar a união entre os homens pelo reconhecimento da existência bem real dos laços de interdependência e de solidariedade social entre os povos do mundo inteiro”. E também: “Essa solidariedade entre os seres humanos, que se projeta no futuro e que permeia as eras mais recuadas do passado (…), é uma coisa maravilhosa”. “A ideia viva da solidariedade de todos os homens, (…) unidos por tantos laços, gera um sentimento caloroso de compartilhar qualquer coisa de grande, que sobrepuja até os sentimentos por seu próprio país”.
Podemos notar na passagem que a ideia das nações unidas de MARIA MONTESSORI, no sentido de unidade mundial, era igualmente compartilhado por H.G.Wells e por Julian Huxley.
Essa ideia de solidariedade humana através do tempo e do espaço, e por consequência o conceito de uma única nação humana, também faz parte da educação cósmica de MONTESSORI; e as crianças chegam a alcançar essas ideias, não por palavras importantes ou pequenos sermões, mas graças a exploração e ao estudo da humanidade, passada e presente.
Vimos, embora brevemente, que a educação MONTESSORI é uma educação como ajuda à vida e uma educação para a paz; é uma parte integral de uma visão antropóloga da criança e da humanidade, com seu papel ecológico e espiritual no contexto do Universo com toda sua história.
Conclusão
Durante os 2 (dois) anos seguintes à sua volta à Europa, MONTESSORI, depois de sua 2a estada na Índia, e o congresso de San Remo, quer dizer, nos anos 1950- 1951, foi um elo com a UNESCO. Ela era membro da delegação italiana na Assembleia Geral da UNESCO em Paris, foi acolhida “como um dos fundadores e inspiradores desse movimento revolucionário conhecido com nome de escola Nova”.
Durante essa mesma ocasião, quando o departamento de Educação da UNESCO lhe pediu para dar “sua visão para atingir uma melhor compreensão internacional”, a Dra. MONTESSORI citou 6 (seis) pontos e um dentre eles está centrado na educação cósmica. Mais tarde, em 1951, na ocasião do 3o aniversário da Declaração dos direitos do Homem, a UNESCO convidou MONTESSORI a enviar uma mensagem ao mundo para acentuar o alto valor do ideal desse acontecimento. Foi assim que a Dra. MONTESSORI foi levada a escrever O Cidadão Esquecido, sua última contribuição importante, porque ela morreu 4 (quatro) meses depois.
As relações com a UNESCO se mantiveram até agora, pois a associação Montessori internacional, sob os auspícios de quem este congresso foi organizado, é uma ONG, em relações operacionais com a UNESCO.
Contribuir para a manutenção da paz através da educação é o principal objetivo da organização que acolhe nosso congresso. Então, desejo concluir lembrando, em 1950, em Florença, o poeta Jaime Torres Bodet, que era o diretor Geral da Unesco nessa época, que acolheu MONTESSORI dizendo: “Temos entre nós alguém que se tornou o símbolo de nossas grandes esperanças na educação e na paz do mundo.
Após 50 anos (cinquenta) anos, a educação e a paz ainda são a grande esperança da humanidade.
As três partes deste texto foram traduzidas, para estudo, do original em francês, por Sonia Maria Braga. Leia aqui a parte 1 e a parte 2.
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